domingo, 22 de maio de 2011

Redes sociais, transparência e a responsabilidade social de cada um de nós

César Viana


Há um fenômeno que chama a atenção pela quantidade de gente e de marcas envolvidas. As redes sociais on-line surgiram no início do século e transformaram-se em espaços públicos de convivência. Já são consideradas assim por alguns autores: como as praças ou as ruas, parte da esfera pública. Tudo isso tem a ver com as características dos novos meios, que são capazes de assimilar e redistribuir qualquer coisa em formato digital. Começam a se esfumar muitos tipos de fronteiras e a transbordar novos métodos e conexões.

As pessoas se identificam com alguns serviços da web social e passam a expandir suas identidades em ambientes on-line. A expressão pessoal é característica básica dos humanos. Fossem nos desenhos das cavernas, nos milênios de cultura oral ou nos diários das adolescentes, que ajudam a explicar o cotidiano do século XIX. Ainda há muito que se registrar.

Ultimamente, uma imensa fonte de etnografia, antropologia, sociologia ou de história se armazena em relatos voluntários feitos em diversos recantos da internet. Há múltiplos tipos de expressões e de análise de manifestações culturais.

A quem pertence o conteúdo publicado nas redes sociais e como preservar esse patrimônio imaterial espontâneo? Quanto geram de renda esses novos fluxos e recursos de comunicação? Como organizar tanta informação e produzir conhecimento? E, principalmente, como participar dessas novas indústrias de mídia e de suas interconexões – a chamada transmídia?

Está cada vez mais simples manipular imagem e som. O audiovisual se capta ou se reproduz a partir de aparelhos portáteis ou inclusive táteis. Transmitir algum evento ao vivo para qualquer parte do mundo é ‘praticamente grátis’. Algo impensável há poucos anos. Basta um celular ou qualquer aparelho que acesse internet e já somos potenciais agentes de mídia. Mas como isso se reverte em benefícios para as pessoas, empresas ou outras instituições?

Jornalismo cidadão

Apesar de que apenas 25% da população mundial tem acesso à internet, há maior facilidade de mobilização e de encontro de afinidades e de interesses. As rebeliões e mudanças no mundo árabe ou os relatos dos moradores durante a retomada do Morro do Alemão ilustram essa realidade.

A partir da união de saberes, o jornalismo reformula-se devido à capacidade de interação e cooperação com o público. Aliás, a comunicação de massa nunca foi tão apropriada pelas massas. Como o jornalismo de dados aplica-se a este mundo midiático? Quais as bases para moldar os parâmetros e as políticas editoriais que representam as comunidades e suas diversidades?

Com igual intensidade e vigor colaborativo, os consumidores também possuem variadas chances de contato com a rede de clientes de uma determinada marca, empresa ou instituição. Antes de decidir uma compra, sempre há comentários abertos para qualquer um se certificar se a compra vale a pena ou não. Daí, a corrida por assimilar novos tipos de relacionamento com o cliente.

Nos últimos anos, pesquisei as redes sociais como reforço para a comunicação comunitária, cidadã, alternativa, popular, social… Há vários nomes. O resultado é uma tese doutoral defendida na Universidade Autônoma de Barcelona. Com a ajuda de Anabel Rami, profissional de pesquisa de mercado pela UOC, elaboramos um questionário para saber detalhes de usos e tendências. Ao anunciar em redes sociais o link para a pesquisa, houve certa mobilização nas redes sociais.

Quem respondia, também convidava os amigos e assim chegaram a 779 pessoas de 31 países em duas semanas. Desse total é possível observar – com uma margem de erro de 6% a 8% – as opiniões do Brasil, México e Espanha, os países que mais participaram. Um indício claro de cultura de participação e de colaboração.

Pesquisa de opinião

Entre os entrevistados: 97% acessam a internet várias vezes ao dia. Desses, 85% também verificam várias vezes ao dia as redes sociais que participam. Este número é mais alto no México: 92%, na Espanha vai a 89%, e no Brasil é de 81%.

Quando perguntados se antes de aderir leem as políticas de privacidade, 46% dos brasileiros afirmam que não. Na Espanha, este número é de 24%, e no México 37%. A privacidade – termo que existe há poucas décadas em português – não era tema do estudo.

Todo mundo tem algo a dizer em público e este é o principal foco do estudo. Por exemplo, os alunos de uma escola resolvem publicar um jornalzinho onde mostram as medalhas que os alunos ganharam no futebol. Num programa de rádio por podcast, talvez a mãe de um desses alunos passe a receita de um dos salgadinhos que vende na cantina. Isso pode ser veiculado no entorno da escola ou para o mundo inteiro. Depende da decisão dos alunos, pais e pedagogos.

Cartões de visita

É comum que as pessoas se apresentem espontaneamente por meio da web social. Os mexicanos são os que mais adicionam desconhecidos às suas redes: 69%. No Brasil, este índice é de 66% e, na Espanha, ainda cai em dez pontos: 56%. Mesmo assim continuam sendo altas as margens de aceitação de convites de estranhos.

Como exemplo, imaginemos uma feira de negócios onde as pessoas trocam cartões de visita. As redes sociais funcionam mais ou menos assim. Facilitam diversos tipos de conexões e relacionamentos. Mas como as pessoas consideram os seus contatos em redes sociais?

Um total de 59% diz que são amigos e familiares. Outros 58% acham que os “seguidores e seguidos” são fontes de informação para saber do que acontece. Um dado interessante aparece nesta pergunta, que contabiliza as três opções mostradas: 46% assimilam os contatos como sendo “meu público e se interessam pelo que comento ou publico”.

Apesar da febre dos Smartphones, no Brasil ainda se usa pouco o celular para acessar a internet. Apenas 34% afirmam usar este tipo de serviço nos celulares. Os mexicanos são os que mais usam o telefone para se conectar à rede: 64%, enquanto que na Espanha são 56% com acesso via telefone móvel. Do total de entrevistados, 8% já usam funções de realidade aumentada em seus aparelhos. Os dados da ONU indicam que os celulares são parte do caminho mais rápido para a inclusão digital e mais aceito pelas pessoas.

Os resultados completos e as análises teóricas da tese são de livre acesso para consulta em e-book (veja como no fim deste artigo). Demonstram os detalhes da manipulação voluntária de meios de comunicação e da formação de audiências segmentadas. O sentimento de nação, por exemplo, reforçou-se quando os primeiros jornais foram lançados. O público-leitor identificava-se e assim se configuravam conjuntos de opiniões.

O que há de diferente agora é a capacidade de convivência em tempo real entre as pessoas. São fãs, bloggers, gamers, ‘prosumidores’, gente comum que se interliga naturalmente umas às outras. A massa mostra sua cara, enfatiza intenções e compartilha habilidades e saberes.

Os dados e teorias analisadas também indicam o potencial para que se estabeleçam agências cidadãs de comunicação entre os usuários desses sistemas informáticos. Desde que se considerem as identidades, as características socioculturais e sejam niveladas as oportunidades de acesso e de uso dos novos meios, também haverá espaço para a inovação nas indústrias de comunicação.

Ensino de mídia

O ensino de mídia favorece esse intuito. A capacitação para o uso de mídia e para os novos meios precisa estar ao alcance de todos. A Áustria é um exemplo nesse sentido. Desde 1973, os alunos da rede pública de ensino aprendem sobre comunicação social. Hoje, 100% das escolas públicas recebem material didático para ensino de mídia. É o único país com este índice. As crianças aprendem sobre edição de imagem, texto e vídeo e participam de programas de rádio em rede nacional.

No Brasil, há exemplos de recuperação de tradições e saberes com vídeos feitos por cineastas indígenas. Contam mitos e histórias pessoais, além de fazer mobilização e jornalismo entre as comunidades e o mundo. Os representantes das pequenas e médias empresas juntam forças para participar do pujante comércio eletrônico brasileiro. Também há fundos especializados no desenvolvimento de projetos tecnológicos inovadores e apoio à conexão de saberes.

A Espanha, apesar de não haver política pública específica de ensino de mídia regularizada, possui um exemplo interessante. A Fundação Bip Bip começou reunindo voluntários para ensinar informática a pessoas em risco de exclusão social. Hoje, a fundação desenvolve projetos que pretendem mudar o jeito como as empresas investem em publicidade e em responsabilidade social.

Existem outros modelos de união popular organizada como agência de informação baseadas em plataformas on-line, como Ushahidi, Topobiografies, IndyMedia ou OhMyNews, entre tantos outros tipos e aplicações – principalmente com o uso de mapas. Somos os responsáveis por criar os moldes da internet; também está em nossas mãos a administração das cidades inteligentes.

Módulos

A partir das bases teóricas e das análises dos dados da pesquisa de opinião, a sugestão é criar modelos de agências cidadãs de comunicação que se complementem e se reconheçam em módulos. Sempre há que se considerar os parâmetros de cada comunidade. Simultaneamente, formam-se conselhos comunitários especializados para definir as características editoriais, sejam elas de texto, áudio, audiovisual e/ou animação. Os vizinhos de cada bairro ou comunidade escolhem as maneiras de se ganhar visibilidade ou de se fazerem representados.

A elaboração de uma agência cidadã de comunicação demandaria espaços e serviços informáticos específicos para, por exemplo, emular o planeta e fazer funcionar todas as funções necessárias. É preciso definir, testar e usar serviços de transmissão e reprodução instantâneas. As características editoriais e informáticas serão decididas melhor em colaboração coletiva. As experiências bem-sucedidas dos projetos coletivos do BarCamp em vários países servem de norte.

Diversidade cultural

Quando alguém ‘viajar’ pela Terra a partir de mapas livres, também vai conhecer as pessoas que se apresentam como membros desses esforços cidadãos de comunicação. Imagine navegar pelo Brasil e ir aos bairros de qualquer cidade e conhecer os moradores para saber das histórias pessoais, dos costumes, da culinária e de tantas outras coisas que se aprendem uns dos outros! Temos a liberdade de conversar uns com os outros como um princípio, ainda que seja só para perguntar onde fica uma rua ou que horas são.

Talvez algum dia as escolas possam marcar aulas conjuntas entre crianças de Minas Gerais e as do Xingu por videoconferência. Existem os meios e os recursos, falta determinar as formas cidadãs que melhor representam as comunidades e a diversidade cultural. Há memória computacional suficiente para registrar e divulgar milhões de horas de vídeo, áudio, texto ou qualquer outra forma de expressão. Uma época de ouro para a visibilidade, a promoção, a organização de manifestações e narrativas populares.

A web semântica e a internet das coisas começam a engatinhar e dentro de pouco tempo usaremos computadores como usamos as mãos, as roupas ou nossos sentidos. Há soluções fáceis e eficientes para ajudar as pessoas a expressar seus pontos de vista ou a ter acesso aos recursos para se obter maior participação democrática e direito à informação. Depende de cada um de nós.

A informação completa com as referências teóricas e a pesquisa de opinião com as características de uso e tendências das redes sociais no Brasil, México e Espanha estão disponíveis neste e-book.

Esse artigo foi escrito especialmente para o Serviço Social da Indústria (SESI) e publicado anteriormente no Mercado Ético.



César Viana é jornalista formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre e doutor em comunicação audiovisual e publicidade pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha.


 Fonte: http://www.nosdacomunicacao.com/panorama_interna.asp?panorama=415&tipo=G

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